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Um aniversário a comemorar

 

Bem merece que dele não nos esqueçamos. Merece uma comemoração condigna, quer pela data invulgar, quer pela obra extraordinária que tem realizado em 143 anos de vida. Refiro o aniversário do “Diário dos Açores”, actualmente um dos mais antigos jornais portugueses.

Gutenberg, ao inventar a Tipografia, jamais previu que o seu invento ia provocar uma autêntica revolução nas letras e até nas ciências, apesar das condenações que sofreu por ter inventado a Imprensa, hoje algo abandonada pela descoberta de outros sistemas de Informática. No entanto, a Imprensa escrita terá sempre o seu lugar na vida dos povos.

Principalmente, os jornais jamais deixarão de aparecer, com mais ou menos brilho, em todas as partes do Mundo.

Em Portugal, os jornais surgiram com maior intensidade, sobretudo no século XIX. A partir daí os jornais e revistas têm-se multiplicado, a quase totalidade, porém, de vida efémera.

A grande maioria eram jornais panfletários, postos a circular pelos caciques políticos, vários deles a coberto de outros “testas de ferro”, que davam o seu nome para aparecer no cabeçalho mas que, muitas vezes, eram quase analfabetos.

Apesar disso, sempre houve bons jornais, alguns deles atingindo os  cem anos e muitos mais. Há dois meses desapareceu em Angra o Diário “A União” fundado em 3 de Dezembro de 1893 e que passara para propriedade da Diocese, em 1 de Dezembro de 1924, ou seja há oitenta e oito anos.

Na Horta, em 2007, já havia desaparecido o “Correio da Horta”, fundado em 4 de Dezembro de 1929 e que era também propriedade da Diocese.

“O Telégrafo”, fundado em 2 de Setembro de 1893, por Manuel Emídio Gonçalves foi continuado pela Família até 1993. Foi adquirido pelos Irmãos Souto Gonçalves que o fizeram desaparecer, passando a publicar o “Incentivo”, jornal há muito desaparecido e que havia sido fundado em 10 de Janeiro de 1857 por João José da Graça, professor do liceu, e que foi um combativo jornalista, chegando a estar seis meses preso por desobediência à Lei da Imprensa vigente. E diz-se que, da prisão, mandava os seus trabalhos para o jornal, escritos nos punhos gomados das camisas, quando iam a lavar. Mas o “Incentivo” deixara de existir há muito, quando os actuais proprietários o fizeram “ressuscitar”, em 1993.

A Ponta Delgada cabe a honra de ainda publicar, sem interrupção, o mais antigo jornal português, “O Açoriano Oriental”, fundado por Manuel António Vasconcelos, em 18 de Abril de 1835. Durante muitos anos esteve na posse de Manuel Ferreira de Almeida que o publicava semanalmente. “O Açoriano Oriental” passou a diário em 1979 e, com o falecimento de Mestre Cícero de Medeiros, fundador e proprietário do diário “Açores”, este transformou-se em semanário e depois em revista, continuando o velho “O Açoriano Oriental” a publicar-se, embora passasse a pertencer, praticamente, a entidades estranhas a S. Miguel.

De referir, com o devido relevo que merece, o “Correio dos Açores”, cujo primeiro número se publicou em Ponta Delgada, em 1 de Maio de 1920.

Dentro de meia dúzia de anos atingirá o centenário. Fundado pelos Drs. José Bruno Carreiro e Francisco Luís Tavares, nesta sua já longa carreira tem mantido uma conduta prestigiante, pugnando pela defesa dos interesses açorianos e micaelenses e, sobretudo,  pela defesa intransigente da Autonomia dos Açores.

No dia 5 de Fevereiro, o “Diário dos Açores”, como atrás disse,  celebra 144 anos de existência e de publicação ininterrupta, quase na Família do Fundador, o jornalista Manuel A. Tavares de Resende. Sucedeu-o o sobrinho Manuel Resende Carreiro, que o dirigiu 47 anos e, a este, os filhos, os Drs. Manuel e Carlos Carreiro. O Dr. Manuel Carreiro dedicou-se com maior intensidade ao jornal dirigindo-o, com o Irmão, com superior elevação até ao falecimento, em 8 de Setembro de 1974. Sucedeu-lhe o irmão, Dr. Carlos, e por falecimento deste, D. Maria Isabel Carreiro Machado Costa, que teve como director adjunto o ilustre jornalista J. Silva Júnior, passando depois a Director executivo até à nomeação de Director Honorário, em 2 de Março de 1994, quando deixou a direcção efectiva do Jornal. Sucedeu-lhe o Dr. Eduardo de Medeiros.

Foi o Dr. Manuel Carreiro que teve a deferência de me chamar, em 1964, a dar a minha modesta colaboração ao seu jornal. Já lá vão quase 50 anos.

O Dr. Manuel Carreiro  preocupava-se em trazer o seu Jornal sempre actualizado, tratando os assuntos com elevação e dedicação extremas, apesar da vida profissional que exercia.

Aliás, como todos os jornais que se publicavam há quarenta ou cinquenta anos, tinha uma rede de correspondentes, quer na própria ilha quer nas outras do Arquipélago e no continente, que lhe forneciam as mais diversas notícias regionais ou nacionais. Além disso mantinha uma secção noticiosa, onde eram publicadas as mais simples notícias e acontecimentos, festividades religiosas e movimento demográfico.

Uma boa parte dos assinantes , principalmente da Diáspora, interessava-se sobretudo por saber quem havia nascido, casado ou falecido nas suas localidades. Era assunto que o jornal, qualquer que ele fosse, das cidades ou vilas, e fosse de quem se tratasse, não descurava. Faziam-se circunstanciadas reportagens dos acontecimentos ocorridos para deles dar conhecimento pormenorizado, por vezes, aos seus assinantes emigrados.

Pois era a primeira coisa que eles liam e lhes servia de conversa no primeiro encontro. (Constava-se até que os jornais diários do continente tinham em carteira as biografias das personalidades que caíam doentes, para publicar notícia necrológica circunstanciada no próprio dia do falecimento.)

Publicava-se a lista dos passageiros que saíam ou entravam na ilha, dando, naturalmente, realce aos viajantes de maior categoria social. Hoje, na verdade, seria impossível, dadas as centenas de pessoas que, quase diariamente, se deslocam ou por doença ou pelos mais diversos assuntos de interesse comercial ou pessoal.

Era um jornalismo diferente mas aquele que interessava e ainda hoje interessa à maioria dos assinantes,  e o “Diário dos Açores” não se afastava desse sistema.

Quando não existiam as Bibliotecas itinerantes, os jornais publicavam em folhetim romances e novelas, pois era leitura apetecida. E não faltava uma ou duas páginas de anúncios, pois a TV não existia...

Normalmente, era publicado o “artigo de fundo” versando os mais diversos assuntos, quase sempre da autoria do Director, ou do chefe da Redacção ou mesmo de Colaborador categorizado. E havia sempre quem os lesse, e até, diziam, alguns leitores os decoravam.

Os 143 volumes do Diário dos Açores são um precioso e rico património, sobretudo, da história da vida social, religiosa, cultural e industrial micaelense.

Ponta Delgada possuíu sempre um escol de jornalistas distintos que muito contribuíram para o brilhantismo da sua Imprensa. Recordo, além de Silva Júnior e dos outros citados, os que conheci: Manuel Ferreira, recentemente falecido e a quem presto aqui a minha homenagem de amigo e admirador, o Dr. Carreiro da Costa, José Barbosa, Flamínio Peixoto, Victor Pedroso, Manuel José Dias Jr. e mais, muitos mais. Excedi-me neste modesto testemunho. Desculpe o leitor.

Prestando a minha homenagem à distinta Família Carreiro, expresso os meus cumprimentos de parabéns às distintas Direcção e Redacção do “Dário dos Açores”, deixando o voto simples de que a sua vida se prolongue por muitos anos.

  
Bibliografia: ANDRADE, Manuel Jacinto,-Jornais Centenários dos Açorese LIMA, Marcelino – Anais do Município da Horta

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